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Profecia do Inferno na Netflix: Fanatismo religioso e redes sociais geram mais caos que o diabo

Também conhecido como Hellbound, dorama foi baseado em webtoon criada por Yeon Sang Ho, diretor de Invasão Zumbi

(Reprodução/Netflix)

Crítica ao fanatismo religioso é uma temática já conhecida no audiovisual, mas poucas vezes tão explícita e visceral como em produções mais atuais — e The Handmaids Tale pode ser utilizada como exemplo, por ser uma das séries mais chocantes e conhecidas sobre o tema. No recente dorama Profecia do Inferno (também conhecido como Hellbound), aguardada atração da Netflix, a problemática também é discutida de maneira tão literal quanto o seriado estrelado por Elizabeth Moss: deixando a metáfora para segundo plano e trazendo a absurda e crua realidade como principal cenário. Ambas as produções levantam questionamentos importantes aos espectadores: se a bíblia diz a verdade e existe um deus, por que seus ensinamentos são tão impiedosos? Por que seus fiéis seguidores se sentem livres para realizar atrocidades no nome de tal divindade?


Em Profecia do Inferno, criaturas sobrenaturais aparecem para decretar previamente a morte de determinados indivíduos, afirmando que os mesmos irão para o inferno. Quando a data finalmente chega, a pessoa sentenciada é espancada brutalmente e carbonizada. Conforme os ataques continuam acontecendo em lugares públicos, o discurso de punição apocalíptica dos grupos radicais religiosos “Nova Verdade” e “Arrowhead” ganha força, gerando autoritarismo, moralismo induzido por medo e violências cometidas supostamente em nome de Deus.



No drama criado e dirigido por Yeon Sang Ho, cineasta também responsável pelo blockbuster Invasão Zumbi, a culpa cristã guia o comportamento da sociedade, enquanto grupos supremacistas religiosos se sobrepõem como seres superiores, mas com ideais falhos. No entanto, mesmo com o discurso inconsistente da Nova Verdade e Arrowhead, poucos querem colocar a própria vida à prova para refutá-los — seja por medo da punição divina ou pela retaliação agressiva de tais organizações.


Humilhação pública a pecadores

(Reprodução/Netflix)

“Defender a virtude moral por medo do inferno… você acha isso justo?”, questiona um importante personagem no primeiro episódio e esta pergunta nos acompanha até os momentos finais da temporada. Profecia do Inferno sumariza os atos mais doentios e impalatáveis que a religiosidade prega sob a justificativa de manter a moral e os bons costumes. Em um mundo onde os males mais violentos são enviados como castigo divino, todos são pecadores em reabilitação — exceto os fiéis das grandes organizações: estes são puros, ditam o bem e o mal, afirmam saber o que deus quer.


O complexo de superioridade destes grupos de pessoas religiosas reflete uma realidade em que humanos comuns acreditam ser tão poderosos quanto entidades sobrenaturais, acima de todos os erros. Como consequência, quem não faz parte deste círculo é considerado inferior e pecador, que justifica facilmente humilhações públicas, exposição de “pecados” que vão desde “ser mãe solteira” e “usar cartão corporativo para uso pessoal” até “duvidar da Nova Verdade” — como uma verdadeira ditadura.



Profecia do Inferno retrata a vida real com tanta nudez que une a religião com a imersão nas redes sociais, tratando questões de desinformação que sai de um pequeno nicho, domina a internet, insere-se em grupos cada vez menos seletos e modifica convenções sociais.


Desta forma, a crítica ferrenha do dorama alcança o espectador com facilidade e o tapa de realismo nos faz duvidar, por um momento, se há ironia ou se o criador realmente acredita em tais absurdos. Além disso, nos primeiros dois episódios, é possível acreditar remotamente que os males da série têm fundamentação religiosa — assim, é fácil perceber como as fake news, até mesmo em obras fictícias, podem confundir nossa racionalidade.



Personagens caricatos, mas nos convencem

(Reprodução/Netflix)

Logo no primeiro episódio, o espectador é surpreendido com inúmeras representações caricatas: policiais impulsivos e cegos por justiça, líderes com desejo de tornar o mundo um lugar melhor (sob óticas muito singulares), mulheres fragilizadas e perseguidas por mostrarem sua força. Não há nada muito inédito nos personagens apresentados, mas a previsibilidade traz conforto, pois as características expostas são a única certeza que o espectador tem em meio a uma trama em que é difícil imaginar o rumo que será tomado.


O líder Jung Jinsu (Ahn In Yoo, protagonista do filme de terror #Alive) intriga por seus ideais de mundo perfeito, onde se coloca em posição de justiceiro das vontades divinas e deseja extinguir o mal do mundo. Porém, sua régua moral se baseia muito mais em conclusões pessoais, unilaterais, do que no bem da coletividade — trazendo repulsa comparável ao que o público sentiu pelo desprezível Light Yagami, personagem principal de Death Note, que defendia valores semelhantes.

(Reprodução/Netflix)

Em paralelo, um policial enlutado cruza seu caminho, confronta suas convicções e é igualmente atingido no âmago de sua sensibilidade, criando um vínculo conflituoso com o líder Jinsu. No entanto, Profecia do Inferno dá seus primeiros passos em falso ao esquecer do personagem que sustentou parte da narrativa. O policial, com tal nível de magnitude na trama, escolhido a dedo pelo porta-voz da seita Nova Verdade, teve seu destino subentendido aos olhos do público — e não, isto não é um pedido para que o roteiro venha mastigado para fácil degustação e entendimento do espectador, mas o personagem merecia mais exposição de sua situação. O olhar frio mostrado em sua última cena definitivamente tem mais histórias a contar.


Ao longo da trama, Profecia do Inferno entrega o conceito de desgraça transmitida, delineado pelo poder das redes sociais e, apesar das barbaridades arcaicas exibidas, tudo é muito atual. O espectador fica imerso em uma narrativa em que os personagens também estão inseridos, dificultando a assimilação dos fatos em curto prazo. Quando caímos na real, o dorama já traz novos elementos para ocupar nossa atenção e nos alienar. Por fim, a experiência é inebriante mas deixa furos inquietantes, que aumentam nossas expectativas para o que vem a seguir. Será uma decepção imperdoável se a Netflix não produzir uma segunda temporada.



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