Apesar de tracklist questionável, grupo respeita o próprio legado que abriu asas para além do que eles mesmos, e os fãs, poderiam comportar
(HYBE/Reprodução)
Em uma indústria tão autofágica como o K-pop, um grupo fazer aniversário de oito, nove ou dez anos é um grande motivo para se comemorar. E neste mês de junho, o BTS realizou seu tão aguardado comeback com Proof, disco antológico que reúne grandes sucessos da carreira do grupo da HYBE; além de demos e faixas inéditas. Aqui, os artistas homenageiam o próprio trabalho, e uma carreira que alcançou patamares assustadoramente impressionantes; com altos e baixos, claro.
Primeiro, é importante dividirmos o disco em duas etapas: as músicas do BTS que já existem e compõem a tracklist, e as inéditas — sejam versões alternativas de sucessos do grupo ou novinhas em folha. E Yet to Come, canção escolhida como a face de todo o comeback, é uma música catchy que apresenta um "até logo" do boygroup. Mas calma, não é como se o BTS fosse pausar a carreira agora: o que é dito na música é como momentos ainda melhores virão para os garotos, ao recapitular a trajetória feita até aqui.
Yet to Come é bem diferente se comparada aos releases mais recentes do BTS. Entre 2020 e 2021, os trabalhos do grupo foram norteados por Dynamite, Permission to Dance e Butter, músicas com batidas super marcantes e que flertaram com o disco e o dance-pop; e Yet to Come fica confortável ao permanecer no hip-hop que já estamos acostumados. Como uma faixa criada para homenagear o próprio BTS, seu trabalho e os fãs, ela funciona muito bem com um MV de atmosfera amigável e temperado com easter eggs.
Porém, Yet to Come não é o highlight de Proof. Quando olhamos para a lista de músicas presentes e damos atenção às inéditas, estas novidades se tornam muito mais interessantes do que a title track promocional.
Primeiro de tudo, há Born Singer: a interpolação de "Born Sinner" do rapper J. Cole que acompanha o BTS há anos, praticamente desde o debut. Essa abertura para Proof é muito bem executada, pois remete aos primórdios do boygroup do qual muitos fãs ou k-poppers no geral (eu incluso) lembram. É animador ver que agora, na intensa era do streaming, o ARMY pode ter acesso à canção que, particularmente falando, com certeza deveria estar nos "melhores momentos" da discografia do BTS.
E Run BTS, que seria uma "irmã" para Yet to Come na homenagem à carreira do grupo, é formada por uma letra que rememora a escada do BTS à fama com um toque de rockabillly na batida. Não é uma faixa inovadora, mas é divertida e futuramente poderia entrar para o cânone de lançamentos upbeat do grupo que os fãs amam.
Músicas novas do BTS presentes no disco 3 de Proof te fazem entrar num espiral nostálgico
As pedras preciosas de Proof continuam quando o ouvinte chega no terceiro disco do comeback. Yet to Come, Run BTS, a nova versão de Born Singer e For Youth, que estão no Spotify, são apenas a ponta do iceberg de nostalgia que o BTS provoca com o álbum.
O autor desta resenha, que acompanhou avidamente o boygroup de 2015 a 2017, lembrou-se automaticamente das vezes em que desejou a versão de Tony Montana, com Jimin e Suga, nas plataformas de streaming. A música presente no projeto solo de Yoongi, Agust D, e que ganhou a versão com Jimin nos concertos do BTS, é pesada e feroz; é uma pincelada do que a rap line do grupo é capaz de fazer.
E além dela, as versões demo de Boy In Luv, Young Forever (na voz de RM), o acapella de Still With You de Jungkook e todas as outras músicas do CD 3 denotam uma vontade do BTS de levar a experiência dos fãs para uma outra camada. Ter acesso ao acervo do grupo, com canções que tiveram versões preestabelecidas antes das finalizações, é um gesto que estreita a relação quase que simbiótica dos fãs com os artistas.
O BTS quer provocar uma explosão de afetuosidade com Proof, que é realizada por meio das versões unreleased ao dizer para o ARMY: "olhe isto. Eu estou te apresentando o que está por trás daquilo que você mais ama, que é o meu trabalho". E é uma sensação tão agridoce de se ter, que me deixou na corda bamba entre as memórias do grupo que ainda mantenho no subconsciente, e o fato do BTS ter assumido um caráter de estranheza e distanciamento após tanto tempo sem acompanhá-los.
Nisso, Quotation Mark e Young Love foram o toque na ferida para concluir o espiral nostálgico que nos engole em Proof. Ambas as músicas do estilo r&b, que trazem Jungkook com os rappers do grupo, são o puro suco do BTS que conheci no passado: o que lançou EPs como Dark & Wild, Skool Luv Affair e a "saga" HYYH; que passou das correntes e roupas baggy para o aesthetic romântico pelo qual me apaixonei na época. Estas duas canções levam o ouvinte direto para o túnel do tempo, e nos fazem imaginar em qual trabalho do old BTS se encaixariam.
Contudo, a pergunta que fica é: foi o BTS que mudou, ou eu mudei?
Antologia do BTS poderia ter algumas alterações, mas escolhas de músicas são justificáveis
Fora as unreleaseds e demos, o restante de Proof é formado por várias faixas-título do BTS que fizeram sucesso, incrementadas por b-sides. Algumas das faixas nesta parte do comeback poderiam ser trocadas por outras, tanto de lançamentos recentes do boygroup quanto antigos. Se músicas como Magic Shop, Tomorrow, 2!3! ou Embarrassed, por exemplo, estivessem presentes, o álbum teria tido um toque mais íntimo ainda; mas as músicas escolhidas aqui são justificáveis, ainda mais por terem sido picks dos integrantes.
De todo modo, o comeback mais recente do BTS é um soco de reflexão àqueles que passaram a ver o grupo com outros olhos — como eu. É inexplicável o fato do septeto ter mudado tanto, sob uma ótica particular, conforme os anos se passaram; mas o que mudou não foi o boygroup, foi o ouvinte.
Se Quotation Mark e Young Love foram tão marcantes num lançamento do BTS de 2022, e trouxeram a áurea que permeava os releases dos artistas de anos atrás, então quer dizer que o grupo continua o mesmo no quesito musical; ele apenas foi aperfeiçoado para atender novos públicos. RM, Jin, Suga, J-Hope, Jimin, Jungkook e V, que cresceram tanto dos cantores que conheci há sete anos, ainda têm a mesma faísca que ocasionou meu interesse neles no passado. Porém, não sou mais o mesmo para trilhar esse caminho com eles.
(HYBE/Reprodução)
O BTS, que já foi um espelho para a minha personalidade, agora é um quadro que analiso num museu por trás de uma vidro à prova de balas. O fandom ARMY foi expandido em ritmos eufóricos e inusitados, e a fama do Bangtan — somado ao legado que o grupo carrega — voou tão alto que ninguém foi capaz de prevê-la.
Hoje, nem os integrantes ou os fãs conseguem comportar o que o BTS representa para milhões de pessoas ao redor do mundo, e tal visão macroscópica chega a ser amedrontadora para alguém que viu os rapazes lá na linha de partida, mas não os acompanhou até a linha de chegada. O disco denota a mensagem de que, por trás das celebrações, prêmios e recordes, os artistas não abandonaram os garotos que já foram.
Proof é, literalmente, a prova de que o BTS concluiu a missão que pretendia; e ainda há espaço para mais no futuro. Se o objetivo dos cantores é, acima de tudo, impactar a vida das pessoas, então eles podem se orgulhar da legião de ouvintes que já foram, são, e ainda serão tocados por suas canções. Mesmo que a camisa do Bangtan Sonyeondan não sirva mais para mim, é bom ver que outras tantas gerações ainda têm a energia e o entusiasmo de vesti-la. Para o autor desta review, o que fica são memórias de vezes em que "fomos mais felizes".
Nota: Lembrando que o papel da nossa crítica, independente de positiva ou negativa, é apontar elementos para você construir a sua opinião sobre aquela obra; seja uma música de K-pop ou dorama. Está tudo bem concordar ou discordar de tudo o que a gente disse aqui, mas não esquece de dizer o que você achou desse lançamento nos comentários, no Twitter ou no Instagram do Café!
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