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"A Inconveniente Loja de Conveniência" é um espaço de cura e reforça o valor da segunda chance

O best-seller de Kim Ho-yeon é um "healing fiction" que tem muito a dizer sobre a vida

Nota para o livro A Inconveniente Loja de Conveniência
Capa do livro A Inconveniente Loja de Conveniência
(Bertrand Brasil/Reprodução)

Os "healing fictions" tem se destacado entre os subgêneros de livros nos últimos meses. A nova categoria reúne leituras que abordam situações do cotidiano e fornecem um momento confortável ao leitor, E, sem dúvidas, ver a mudança na trajetória dos personagens de A Inconveniente Loja de Conveniência é reconfortante, principalmente ao perceber que um espaço tão comum consegue ajudá-los a ter uma outra perspectiva sobre a vida.


A Inconveniente Loja de Conveniência de Kim Ho-yeon chegou ao Brasil pelo selo Bertrand Brasil da Editora Record no final de 2023; O best-seller sul-coreano de 270 páginas aborda a importância da empatia, segundas chances e como as pessoas podem aprender umas com as outras. Retratando como a vida é um eterno aprendizado!


Na trama, conhecemos Dok-go, um homem em situação de rua que passa seus dias na Estação de Seul, e não lembra nem sobre o seu passado, muito menos qual foi sua última refeição descente. Sua vida toma outro rumo quando encontra um bolsinha com documentos e carteira de uma senhora e faz de tudo para devolvê-la. Como recompensa pela honestidade, a senhora o leva até a sua loja de conveniência e pede para que ele apareça sempre que sentir fome e pegar uma marmita de graça. Não demora muito para que Dok-go esteja inserido na vida da senhora, dos funcionários e clientes da loja de conveniência.






A confiança é a base no livro de Ho-yeon


A loja de conveniência da franquia Always no bairro de Cheongpa-dong em Seul não é movimentada, possuem alguns clientes fieis e não é muito lucrativa, mas nada disso abala a proprietária, a senhora Yeom. A mulher de meia idade possui uma grande bagagem de vida: professora de história aposentada, mãe de dois filhos e faz o seu melhor para manter a loja de conveniência, não só para se manter ativa, mas também pelo bem de seus poucos funcionários.


Naquele dia específico, a senhora Yeom não imaginou que sua vida fosse mudar tanto apenas ao comprar passagens de trem na Estação de Seul. É um sentimento desesperador notar que algo está faltando, principalmente quando se trata de uma bolsinha com dinheiro e documentos. Felizmente, o desespero foi cortado pelo som do toque do celular que recebia uma ligação de um telefone público.


O caminho da senhora Yeom se cruzou com o de um homem em situação de rua capaz de conquistar sua confiança ao proteger a bolsinha perdida e garantir que fosse entregue. O homem em questão mais tarde foi nomeado de Dok-go que sofre com perda de memória e não se recorda de coisas simples de seu passado, como seu nome e o motivo que o levou a Estação de Seul.





O homem ofereceu honestidade e em troca recebeu confiança — e algumas marmitas na loja de conveniência e pouco depois um emprego, após salvar a aposentada novamente. Obviamente, Dok-go não é bem aceito a primeira vista, com exceção da senhora Yeom, devido a sua aparência e lugar que tinha vindo.



A loja de conveniência é um refúgio inesperado


Depois que Dok-go é levado pela primeira vez na loja de conveniência de Cheongpa-dong grande parte dos acontecimentos do livro passam a ser ambientados naquele pequeno e aconchegante local. E logo vemos que a senhora Yeom não teve a oportunidade de apenas mudar a vida de Dok-go, mas seu gesto permitiu que outras pessoas pudessem ter uma outra perspectiva de vida graças ao novo funcionário de meio período do turno da noite.


A cada capítulo conhecemos mais afundo sobre os problemas de um personagem, seja funcionário ou cliente. Dok-go escuta aqueles que não tem com quem desabafar e oferece uma visão diferente para seus problemas. Por mais óbvias que pareçam, muitos não conseguem a chegar a essas conclusões sozinhos. Temos uma jovem que apenas precisava confiar em seus talentos, uma mãe que deveria ouvir as aflições do filho e um homem que poderia ter notado antes o quanto sua família é calorosa. Todos chegaram a estas conclusões após conversas com Dok-go.


A primeira vista, a loja de conveniência pode parecer inconveniente, seja pela falta de lucros ou pelo novo funcionário e seu comportamento incomum. Na verdade, o jeito como Dok-go lida com as pessoas no local tornam a loja de conveniência um lugar especial e acabam o ajudando em seu próprio processo de autoconhecimento e cura.


Acompanhar Dok-go é instigante, não importa quem pergunte ou quanto tempo passe de leitura, ele não consegue se lembrar do passado. Através dele temos um reflexo de como a situação de rua o afetou, seja pela forma brusca de lidar com certas situações, a gagueira pela falta de estímulos da fala ou o apagamento na sociedade, que inclusive pode servir como metáfora para o apagamento de suas memórias. Ao longo das páginas, Dok-go ajuda diferentes pessoas com seus problemas, mas não sabemos como estas interações o afetam e se estamos mais perto ou longe de descobrir sobre seu passado.





Como a paz não dura por muito tempo, o filho ganancioso da senhora Yeom decide dar as caras em busca de convencer a mãe a vender a loja novamente. O homem não tem um bom primeiro encontro com Dok-go e para tirar tanto o novo funcionário, quanto a loja de seu caminho, decide contratar um investigador para descobrir o passado do trabalhador, o obrigando a encarar o que por tanto tempo preferiu esquecer.


Nesse processo ocorre uma mudança na narrativa, o livro narrado em terceira pessoa desde o começo passa para primeira pessoa e finalmente temos a perspectiva do funcionário do turno da noite. No último capítulo vemos como todos os eventos afetaram Dok-go e o ajudaram em sua própria trajetória. É instigante vê-lo reunir cada fragmento de memória e como certos eventos do cotidiano o ajudaram nisso, apesar de estarmos sempre vendo-o ao longo das paginas, o homem não deixava transparecer para nós ou para as pessoas com quem interagia o sofrimento e o medo a cada lembrança.


A loja de conveniência não poderia ser mais conveniente para o aprendizado do homem e como parte da sua segunda vida. Ver a evolução do Dok-go é, sem dúvidas, construção de personagem mais emocionante de todo o livro. No fim, percebemos que tudo foi muito bem conectado e o livro não poderia ter tido um desfecho melhor. A sensação do final é como recebêssemos um abraço da senhora Yeom.



Em termos de leitura, certas páginas conhecemos a importância das lojas de conveniência na cultura coreana e somos apresentados a novos termos comuns no ramo. É o tipo de leitura que pode parecer cansativa em alguns momentos, já que a cada capítulo conhecemos uma nova pessoa com um problema a ser solucionado. Com exceção dos mistérios em torno do passado de Dok-go, a leitura é bem linear, mas definitivamente vale a pena ser lido até o final.

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