[Opinião] Entre os palcos e as pistas: Entenda como o K-pop influenciou a nova era da F1
- Giovanna Gomes Cardoso de Lima
- há 6 horas
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Com a renovação do esporte e a expansão para novos públicos, a indústria do K-pop tornou-se uma das mais novas referências para a nova era da Formula 1

A Formula 1 passou por mudanças significativas que tornaram a marca algo ainda mais popular entre os grupos mais jovens, em especial, graças a abertura da categoria ao uso das redes sociais como forma de buscar novos públicos. Não somente na internet, mas para encher novamente as arquibancadas que, por muito tempo, estavam vazias devido à baixa audiência em diversos países dentro e fora da Europa.
Com as rápidas mudanças não somente no consumo de conteúdo nas mídias digitais, mas também nos próprios aplicativos e sites de redes sociais, as empresas e marcas precisaram se adaptar rapidamente às novas tendências, em especial, quando se trata de jovens e adultos. Deste modo, é inegável destacar a forma na qual a indústria do entretenimento sul-coreana — ou seja, o K-pop, os K-dramas e o K-beauty — tem dominado tendências e redes de um jeito próprio e significativamente lucrativo.
Esse método de disseminação de conteúdo em massa para representar grupos, marcas e equipes foi fundamental para que a Formula 1 conquistasse os mais jovens, em especial, as mulheres e meninas, resultando em uma nova era para o esporte.
Para além da utilização de músicas em vídeos curtos, ou até mesmo da participação de idols em eventos do paddock — área restrita onde se encontram as garagens, escritórios, áreas de descanso para pilotos e mecânicos, e que abriga eventos para VIPs e patrocinadores — o K-pop influenciou a reformulação do que é ser fã, tornando os pilotos figuras que vão muito além de lendas de um passado não tão distante.
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O momento da virada
A relação inicial da F1 em relação às redes sociais assumia uma postura conservadora, impedindo a criação de conteúdo não somente pela própria marca, mas por todas as equipes envolvidas no esporte. Sem sombra de dúvidas, essa postura era um fator característico da gestão de Bernie Ecclestone — ex-CEO da F1 —, que chegou a declarar não considerar necessário que a categoria engajasse o público mais jovem.
Entretanto, o cenário enfrentou uma mudança significativa após o chefe do grupo Liberty Media tornar-se acionista majoritário da F1, que resultou na saída de Ecclestone do cargo e deu início a era das redes sociais na mais alta categoria do automobilismo.
A abertura da categoria ao uso de redes sociais para promoção de corridas, eventos, equipes e pilotos se deu gradativamente a partir de 2017, superando a restrição anterior que impedia de pilotos até canais de televisão de realizarem quaisquer tipos de filmagem no paddock. Neste sentido, as equipes foram autorizadas a criar conteúdo para as redes sociais, tornando-se um atrativo para os fãs mais novos da categoria.
O papel das redes na criação de novos ídolos
No K-pop, a criação de ídolos tem como base a lapidação de talentos artísticos como canto, dança, performance e atuação, mas somente estes requisitos não são o suficiente para criar um ídolo. A popularidade dos idols não se restringe somente ao talento, mas na construção de uma personalidade pública chamativa, carismática e capaz de entreter para além dos palcos. Deste modo, empresas do ramo investem em programas de variedade, reality shows e conteúdo para as redes sociais. O mesmo passou a acontecer com a F1 nos últimos anos, afinal, apesar do talento e do desempenho nas pistas, é preciso carisma e um toque de simplicidade para aproximar os pilotos do público geral.
A criação de conteúdo para YouTube facilitou o acesso ao dia-a-dia no paddock e ao perfil de cada piloto, vídeos simples baseados em jogos dinâmicos e interações entre equipes e duplas são algumas das táticas midiáticas capazes de aprofundar a relação dos fãs com seus ídolos. Diferentemente de outras categorias esportivas, a Formula 1 conseguiu elevar o conceito de fidelidade aos ídolos, que não é restrita somente a fatores como nacionalidade ou a equipe para qual o piloto corre. Hoje em dia, ter um piloto favorito se assemelha cada vez mais com a ideia de ter um integrante favorito em um grupo de K-pop.
Como forma de aproximar o público dos pilotos, suas personalidades e interesses, a F1 investiu em um pequeno programa de variedades denominado Grill the Grid, cujos episódios são publicados no YouTube e contam com diversos jogos e dinâmicas sobre a Formula 1, envolvendo os pilotos do grid — linha de largada que estabelece a ordem do posicionamento dos carros conforme a classificação —, seja em duplas ou até individualmente.
Além da pequena série, o canal oficial da F1 também disponibiliza vídeos que envolvem jogos de apresentação pessoal, nos quais o público conhece um pouco da personalidade dos pilotos, seus gostos e interesses. Seja mediante apresentações pessoais, ou até mesmo de um jogo sobre red flags de personalidade.
Para além do conteúdo para YouTube, o TikTok passou a ganhar cada vez mais força no que tange a criação e disseminação de conteúdo do paddock para o público externo. As equipes passaram a adotar seus próprios formatos de vídeos curtos, que incluem desde jogos e momentos de descontração entre os pilotos e a equipe, quanto a pequenos highlights da semana, que incluem os melhores momentos e as cenas mais impactantes de cada fim de semana de Grand Prix.
Equipes como a Ferrari, McLaren, Williams e Red Bull Racing são alguns exemplos de gerenciamento midiático que mistura a experiência nas pistas e a paixão por carros velozes com o carisma dos pilotos, além de algumas participações especiais que incluem celebridades diversas e pilotos de outras categorias.
Por sua vez, esse novo modelo de distribuição de conteúdo contribui não somente para atingir cada vez mais públicos, como também, para gerar engajamento para os pilotos e equipes, tornando a Formula 1 um fenômeno que supera as barreiras impostas pelo tradicionalismo das torcidas esportivas. Isso se dá pela necessidade das gerações mais jovens no consumo em massa de mídias relacionadas a interesses em comum. Como, por exemplo, o caso das fãs de K-pop, que são adeptas a utilização das chamadas “fanbases” — bases de fã em redes sociais —, cujo conteúdo é voltado para informações e conteúdos de engajamento e divulgação relacionados a grupos e idols da música pop sul-coreana. O mesmo ocorre com fãs de F1, que se tornaram cada vez mais adeptos à criação de fanbases dedicadas a pilotos e equipes.

As semelhanças estéticas e na forma de passar informações e compartilhar conteúdo são características fundamentais das bases de fãs de artistas musicais ao redor do mundo, um fator que acaba surpreendendo quando adaptado a conteúdos sobre atletas e não necessariamente cantores. Por sua vez, a produção de conteúdo destas contas se expande para a tradução de notícias e entrevistas de forma completamente voluntária e sem fins lucrativos, com o único objetivo de informar e aproximar fãs de informações sobre seus ídolos, sejam eles cantores ou pilotos de Formula 1.
Entre photocards e driver cards
Se até então, você tem se perguntado o que o Ayrton Senna pensaria de ter um card de si próprio em toploaders decorados ou, até mesmo, em holders fofinhos pendurados na bolsa de alguma fã, saiba que este hábito tem se tornado cada vez mais comum. Afinal, os photocards de pilotos de Formula 1 são mais antigos do que os próprios photocards do K-pop que conhecemos hoje. As anteriormente denominadas “cartas colecionáveis” e atualmente conhecidas como driver cards são itens comercializados desde 1990, tendo seus primeiros sets lançados por empresas como as antigas ProTrac e Grid.
Em 1995, a editora Multi lançou no Brasil a primeira coleção de cards que acompanhavam momentos marcantes da carreira de Ayrton Senna, compostas por fotos do piloto acompanhadas de histórias no verso, correspondentes ao ano e momento em que a fotografia havia sido tirada.
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No entanto, foi somente em 2020 que a empresa Topps assumiu a produção oficial de cards colecionáveis da F1, que adquiriram um design completamente diferente do material que costumava ser distribuído por outras editoras em décadas anteriores. O novo formato é vinculado ao nicho do “trading card game”, cujas cartas possuem uma dinâmica semelhante à proposta das franquias Pokémon TCG e Yu-Gi-Oh TCG, que além de colecionáveis, também podem ser utilizadas para disputar batalhas entre jogadores.

Para além dos cards comercializados oficialmente, as próprias equipes de Formula 1 distribuem seus próprios photocards oficiais gratuitamente em eventos voltados para fãs, ou via correio para aqueles que solicitarem mediante envio de uma carta endereçada para as respectivas sedes das escuderias. Os chamados “driver cards” possuem tamanhos variados e tem seus designs alterados anualmente conforme o início de uma nova temporada, dos quais são produzidos cards individuais para cada piloto da equipe, em alguns casos, disponibilizados em formato físico e digital. Estes itens colecionáveis não necessariamente se restringem a categoria da Formula 1 e podem incluir pilotos de outras categorias como F1 Academy, F2 e etc.

E nada disso seria possível sem as mulheres
Em um estudo realizado pela The Champs apontou o aumento significativo do público feminino da Formula 1, a pesquisa aponta que aproximadamente 25% do público total é composto por mulheres e mais de 75% dos novos fãs da categoria são do gênero feminino. A revolução digital da F1 e a criação de reality shows documentais como Drive to Survive (2018-) da Netflix são fatores que contribuíram significativamente para este fenômeno.
Além das mídias, o surgimento da categoria de base exclusivamente feminina denominada F1 Academy têm sido um incentivo ainda maior para o público feminino, em especial, por levantar tópicos vinculados a representação feminina no automobilismo, cujas categorias sempre foram mistas, apesar da dominância histórica dos homens.
Para além das fãs, a categoria tem se mostrado cada vez mais aberta a inserção de mulheres no meio corporativo em diversos setores, em especial, nas equipes de gerenciamento de mídias digitais, criação de conteúdo e Relações Públicas. Antes mesmo da reformulação em 2017, a F1 já contava com um histórico de mulheres que marcaram a categoria, seja na engenharia, como chefes de equipe e, até mesmo, pilotos.
Com esta crescente, tornou-se cada vez mais comum ter mulheres tomando a frente na criação de conteúdo sobre o automobilismo, desde a criação de fanbases até o fomento de podcasts comandados por mulheres que unem paixão e profissionalismo para que as categorias sejam ainda mais inclusivas, nos mais diversos aspectos.
Por sua vez, é inegável que as mudanças no "ser fã" dentro da Formula 1 acabem aderindo a estéticas e dinâmicas muito semelhantes aos fandoms de grupos e artistas de K-pop. Afinal, o mercado da música pop sul-coreana é predominantemente impulsionado pelo público feminino, o que acaba estabelecendo padrões e dinâmicas de consumo muito particulares.
O K-pop e a F1 estão mais próximos do que nunca!
Além das influências diretas ou indiretas, o K-pop e a F1 tem andado cada vez mais de mãos dadas, rendendo uma série de interações que vão desde a presença de idols no paddock até menções diretas a pilotos em canções. Como na mixtape DominATE, na qual o Stray Kids cita o piloto monegasco Charles Leclerc (Ferrari) na faixa Truman dos integrantes HAN e Felix no trecho "I know that we taking our time like Charles Leclerc".
Ainda em 2025, Lisa e Rosé marcaram presença no paddock durante o Grande Prêmio de Miami, que ocorreu no primeiro domingo de maio. As integrantes do BLACKPINK foram convidadas especiais da Scuderia Ferrari e visitaram a garagem da equipe no Autódromo Internacional de Miami nos Estados Unidos. Rosé foi a responsável por dar a bandeirada final, que consagrou Oscar Piastri (McLaren) como vencedor, seguido por seu companheiro de equipe Lando Norris e George Russel (Mercedes).
No mesmo ano, Rosé foi anunciada como parte da trilha sonora oficial do filme F1: The Movie, estrelado por Brad Pitt e Damson Idris. A faixa Messy faz parte do disco F1: The Album, que conta com canções originais e exclusivas do blockbuster que trouxe um pouco da experiência das pistas para as telas de cinema em um drama de ação eletrizante.
Diversos idols já demonstraram ser verdadeiros fãs da categoria, ainda que o Grande Prêmio da Coreia do Sul já não faça parte do calendário oficial da F1 desde 2013. Um dos grandes exemplos é o caso do Jeno (NCT/NCT Dream) que já demonstrou ser um Tifosi — nome oficial de torcida da Scuderia Ferrari — de carteirinha, mesmo que seu piloto favorito seja o pentacampeão holandês Max Verstappen (Red Bull Racing).
Outro grande fã assumido da Formula 1 é Jay (ENHYPEN) que recentemente passou a utilizar o Weverse para se conectar com engenes que também acompanham o esporte. O integrante do ENHYPEN chegou a conhecer pessoalmente o piloto George Russel (Mercedes) durante o Torneio de Tênis de Wimbledon, além de possuir um set oficial de lego do Mercedes-AMG W14, o modelo pilotado por George Russel e Lewis Hamilton durante a temporada de 2023.
Jay é um grande fã da Red Bull Racing e chegou a usar uma camiseta oficial durante durante um show do ENHYPEN, além de ter cantado o clássico trecho "DuDuDuDu Max Verstappen" da canção 33 Max Verstappen de Carte Blanq e Maxx Power.
Atualmente, Jay utiliza Smooth Operatorrrr como username na plataforma Weverse, uma clara referência ao piloto espanhol Carlos Sainz (Williams), cujo apelido é Smooth Operator devido a canção de mesmo nome da cantora britânica-nigeriana Sade, que costumava ser cantada pelo piloto no rádio durante suas corridas desde 2019.
O exemplo de Jeno (NCT/NCT Dream) e Jay (ENHYPEN) nos levam a compreender outra dinâmica para além das estratégias midiáticas de disseminação da F1 enquanto categoria esportiva atrativa. Estes idols, por sua vez, acabam exercendo o papel de influenciadores, mesmo que de forma não oficial. Afinal, ao compartilharem o interesse na F1 com os fãs em plataformas digitais e eventos, estes acabam despertando o interesse de seus públicos pelo esporte.
Há uma forte tendência entre fãs de artistas musicais, em especial, do K-pop, de tentarem se aproximar o máximo possível do ídolo através do consumo de produtos em comum e até gostos pessoais. Deste modo, fãs acabam buscando interagir cada vez mais com os interesses de seus ídolos, na intenção de se sentirem próximas e compartilharem de gostos em comum.

Este fenômeno levanta novas possibilidades quanto ao nível de proximidade que o K-pop tem tido com a F1, algo que pode ultrapassar campanhas com patrocinadores e convites para o paddock. Com a crescente de fãs jovens, em especial, as mulheres e meninas, é inevitável que haja uma aproximação cada vez mais intensa entre estes dois universos distintos, em especial, quando consideramos o quanto o "ser fã" na Formula 1 tem sido um fenômeno em fase de reestruturação, se aproximando cada vez mais das dinâmicas dos fãs de artistas pop sul-coreanos.