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Amor Com Fetiche: Filme coreano na Netflix vai além das expectativas e diverte

Atualizado: 4 de fev. de 2023

Comédia romântica sobre BDSM protagonizada pela Seohyun (Girls' Generation) chegou ao catálogo da Netflix no dia 11; confira nossa crítica


(Reprodução/Netflix)

A febre de Cinquenta Tons de Cinza continua até os dias atuais. Páginas de fãs no Facebook e no Instagram ainda comentam sobre o romance de Christian e Anastasia, ignorando algumas questões de roteiro, gravação e até mesmo da obra original. O mesmo acontece com o ofensivo 365 Dias, possivelmente o filme mais problemático da Netflix, que, apesar das críticas e das avaliações baixíssimas, é amado por uma parcela dos espectadores. Em suma, sexo vende — ou pelo menos a imagem dele. Assim, não é difícil imaginar que Amor com Fetiche tenha sido ansiosamente esperado.


Inspirado na webtoon Moral Sense, o filme traz a história de Jung Jiwoo (Seohyun) e Jung Jihoo (Lee Junyoung), colegas de escritório que, desde o primeiro encontro, já têm química. A similaridade dos nomes é o que dá início à trama, já que é com uma encomenda errada que Jiwoo descobre o segredo de seu colega: ele é parte da comunidade BDSM.


Uma premissa simples e clichê traz à tona diversas questões sobre a prática desse estilo, relacionamentos no ambiente de trabalho, expectativas colocadas em parceiros românticos e ética moral, assim como o nome da inspiração sugere. Apesar de alguns percalços técnicos, o resultado é satisfatório, mesmo que deixe um quê de “só isso?” na boca.




Inversão de arquétipos


(Reprodução/Netflix)

Diferente dos filmes supracitados, Amor com Fetiche brinca com o tradicional estereótipo dos doramas. Aqui, a protagonista não é uma menina colegial que fica de joelhos bambos quando vê o cara popular da escola; Jiwoo é conhecida por ser mandona e autoritária no trabalho — palavras usadas para descrevê-la quando, na verdade, é apenas eficiente no que faz — enquanto Jihoo, seu novo chefe, é todo sorrisos e resolve conflitos com carisma e assertividade e, é claro, amado por todos os empregados. Essa justaposição de personalidades traz mais personalidade à obra, e os dois atores (idols que já trabalharam com a Netflix em Private Lives e D.P. Dog Day, respectivamente) conseguem se encaixar perfeitamente nos papéis.



O longa também aborda a misoginia no local de trabalho. O gerente da área, sr. Hwang, é a representação do chefe desrespeitoso. Nos primeiros cinco minutos, o longa já denuncia essa situação — Jiwoo faz uma sugestão que só é levada a sério quando repetida pelo novato Jihoo. Ele expressa seu descontentamento com o chefe e é nessa cena que temos a primeira visão do quanto Jiwoo se sente invalidada apenas por ser uma mulher no trabalho.


Utilizando dos velhos clichês de comédias românticas, tendo a mãe e a amiga do trabalho como personagens de apoio, todos parecem esperar que Jiwoo flerte com seu interesse amoroso da maneira tradicional. Num diálogo, o olhar dela é comparado com o das outras mulheres que conversam com Jihoo: Jiwoo sempre se mostra dominante e fria, nunca doce como as outras. Isso serve como uma forma de foreshadowing — técnica de apresentar discretamente um elemento que vai ditar o restante da história — e de diferenciar Jiwoo do restante dos personagens.


Num geral, Amor com Fetiche soube muito bem como surpreender espectadores, afinal, quase ninguém esperava uma comédia romântica fofa e feel good com aquela premissa. O trailer deu as dicas, mas a realidade pode ter sido um baque para aqueles que esperavam algo diferente. A todo momento, o filme brinca com as suas expectativas com doses de humor que chegam a causar vergonha alheia e faz você torcer pelos personagens enquanto sente vontade de pausar o filme; a experiência é divertida.



Amor e coleiras


(Reprodução/Netflix)

Jiwoo é amiga de uma dona de uma creche de cachorros. Boa parte do filme se passa nesse cenário, no qual ela conversa sobre seu crush, vê o estagiário adestrando um cão e interage com os animais. Essa dinâmica é espelhada na primeira “cena” de BDSM do casal: o infame dog play. Ela ocorre num ponto da trama em que Jiwoo ainda é iniciante, sabendo nada além de algumas pesquisas feitas no Google, e a própria atividade é apresentada como um curso introdutório. A cena causa risadas e estranhamento, talvez até pelos latidos habilidosos do protagonista.


“Eu procurei por vídeos de golden retrievers. A diretora disse que seria bom se eu pudesse ser um homem-cachorro, e golden retrievers sorriem de forma confortável e adorável, então eu usei esses vídeos como referência. Eu ganhei cerca de 9kg, comendo seis vezes por dia e fazendo pequenos lanches. Tentei ganhar massa comendo bastante e me exercitando.”

Lee Junyoung (Jung Jihoo) sobre o preparo para o papel


É fácil dizer que o filme não se leva a sério. Park Hyeonjin, a diretora, apostou muito claramente na parte cômica, tornando impossível não dar risadas da cena, chegando ao ponto de sentir vergonha pelos personagens. Aparentemente, eles sentem também, já que Jihoo decide planejar a próxima vez do casal, e é só a partir desse momento que eles começam a se sentir mais confortáveis com os papéis. Lee Junyoung cabe perfeitamente na pele de Jihoo, um cara um pouco bobo e fácil de se aproximar, se encaixando no estereótipo do “namorado golden retriever”, que era o objetivo da diretora desde o início. Seohyun também não fica para trás no quesito atuação. A idol, que já é experiente nesse ramo, entrou facilmente no papel da dominatrix iniciante e assertiva, trazendo mais personalidade para uma personagem que outrora poderia ficar presa em duas dimensões.


As seguintes “cenas” de BDSM são retratadas com mais seriedade, chegando a apresentar quartos vermelhos e roupas de látex, mas sempre acompanhadas de uma trilha sonora desconexa, que destoa do que é mostrado na tela. A classificação +16 existe pela insinuação e discussão sobre sexo, mesmo que, em certas partes, o filme tente desviar completamente desse aspecto sensual. Apesar das tentativas, algumas cenas mostram de um jeito excepcional a química dos atores, como a do próprio quarto vermelho e a final.


Quanto à discussão do que é o BDSM em si, pode-se dizer que ela não vai além da superfície. É um “BDSM para leigos” que, mesmo assim, faz um trabalho melhor que vários outros filmes do gênero ao abordar mais questões que somente a sexual, como a importância do consentimento para todas as práticas, ponto destacado diversas vezes pelo longa. Jiwoo é vista pesquisando e interagindo como veteranos da comunidade, assim como Jihoo, e, no final, descobrimos que até alguns conhecidos fazem parte dela.




Relacionamentos, controle e clichês


(Reprodução/Netflix)

O monólogo de abertura e encerramento toca na questão: é possível entrar num relacionamento sem estabelecer dominância? Fora do trabalho, Jihoo e Jiwoo invertem as posições de chefe e subordinada. Isso traz uma dinâmica interessante para o casal, mas o desenvolvimento poderia ser melhor aproveitado. Logo na primeira interação, Jihoo já faz o ousado pedido a Jiwoo — “Você pode ser meu mestre?” —, mesmo sem saber se ela tem conhecimento da prática. Ações impulsivas como essa fazem com que Jihoo caia no estereótipo do “emocionado”, enquanto Jiwoo mantém a imagem fria e legal, como é descrita.


Um ponto fraco do roteiro é justamente o mais importante em um filme de romance — o romance. Os protagonistas se aproximam muito rapidamente, quase fugindo do ritmo natural, e apesar do longa não se afastar dos velhos clichês das romcoms, o espectador sente falta da lentidão do namoro. Essa característica torna-se ainda mais perceptível quando se entende como Jiwoo e Jihoo são personagens realistas, cada um com suas individualidades, e é triste que o início de namoro de ambos não tenha sido exposto. Talvez esse aspecto seria melhor abordado por um dorama em vez de filme, mesmo com poucos episódios. Os personagens secundários também têm tramas interessantes e merecem um pouco mais de destaque.


“[A personagem] Jung Jiwoo é charmosa. Ela é uma personagem que geralmente é criticada por ser direta e não agir de forma fofa ou não forçar sorrisos, mas Jihoo acha que ela é maneira. Eu pensei que pudesse contar uma história sobre a normalidade de estabelecer um namoro com uma personagem que está fora da 'mulher ideal' que é esperada e pedida.”

Park Hyunjin, diretora, sobre Jung Jiwoo (Seohyun)


Essa parte também é mal costurada na pós-produção do filme, com cortes bruscos de cenas que afetam a experiência. Apesar das duas horas de duração, a trama parece se arrastar ao mesmo tempo que é rápida demais. As situações caricatas não ajudam muito; temos o casal de protagonistas numa cena um tanto inapropriada para o local de trabalho, além do almoço com algemas no restaurante.


Isso nos traz para o último ponto: o grand finale apressado que usa e abusa dos clichês. Uma caneta com microfone expõe não apenas os segredos de Jiwoo e Jihoo, mas também do restante do escritório, e tudo se resolve e encaminha para a felicidade como é típico de doramas e filmes de romance. O final bobo e esperado permite que os protagonistas finalmente revelem os sentimentos que nutrem um pelo outro, ficando juntos e oficializando o namoro. Vale dizer que o filme toca em um assunto importante, o impacto que diferentes gostos podem deixar. A ex-namorada de Jihoo termina o namoro por não aprovar o fetiche dele, e ela é uma personagem que poderia ter tido uma influência ainda maior na trama.



Uma comédia romântica como qualquer outra


(Reprodução/Netflix)

No final do dia, Amor com Fetiche vale à pena? Sim. Se você, assim como eu, é fã de filmes bobinhos que não se levam a sério, essa é uma ótima forma de passar duas horas do seu dia. É importante dizer que ele não deve ser visto com altas expectativas — é um filme comum, que aborda um assunto inusitado e traz uma lição de moral (assim como o título da webtoon), e é divertido de assistir.


Diferente dos cinquenta tons e dos 365 dias, Amor com Fetiche aposta em poucos números e pouco tempo para exibir uma história de romance com um diferencial. A química entre os atores é palpável, e a subcategoria 'Espirituosos', escolhida pela própria Netflix para descrever o filme, não poderia se encaixar melhor. Para uma produção que foge do que geralmente esperamos da Coreia do Sul, ainda que não entre de cabeça nessa direção, Amor com Fetiche é um passo inicial muito interessante.




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