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"Impostora: Yellowface" | a genialidade de R.F. Kuang em sua crítica à apropriação cultural

Em seu novo livro, R.F. Kuang fala brilhantemente sobre apropriação cultural e traz à tona críticas sociais de maneira sutil e envolvente

A imagem está dividida em duas partes. À esquerda, vemos a capa de um livro com fundo amarelo. O título é "IMPOSTORA", escrito em letras brancas e grandes, com a palavra "Yellowface" logo abaixo. Acima do título, há um par de olhos desenhados, com um olhar intrigante. Abaixo, o nome da autora "R.F. Kuang" aparece em letras menores.  À direita, há a foto de Rebecca Kuang uma mulher de cabelos escuros, lisos e presos. Ela usa uma blusa preta simples e um colar delicado. O fundo da foto é azul, e a mulher sorri levemente para a câmera.

(Divulgação / Editora Intrínseca/ R. F. Kuang via Instagram)


"Impostora: Yellowface", um dos lançamentos mais esperados de 2024, chegou ao Brasil em agosto, publicado pela editora Intrínseca, que tem dado destaque à literatura asiática no país. O livro é da autora R.F. Kuang, conhecida por obras como a trilogia de fantasia e mitologia chinesa "A Guerra da Papoula" e "Babel: Ou a Necessidade de Violência."


Dessa vez, o novo livro de Kuang nos apresenta um thriller instigante que mergulha nas críticas ao mercado literário e em questões sociais. Em "Impostora: Yellowface", a autora provoca reflexões sobre apropriação cultural, racismo e as dificuldades do mundo editorial, tudo com uma narrativa envolvente e cheia de reviravoltas.


Kuang nos traz a visão de que o mercado literário é envolto em caos e arbitrariedade. Muitos escritores têm sonhos que, por vezes, são destruídos antes mesmo de serem realizados. As críticas ao modelo da indústria literária sempre existiram e continuarão a existir. Mas será que o cenário se resume apenas a isso?





"Impostora: Yellowface" é um thriller psicológico que trás um forte sentimento de repulsa


ATENÇÃO: O texto pode conter alguns spoilers da obra.


Athena Liu é a definição de perfeição: Bonita, carismática, simpática, talentosa e um verdadeiro sucesso. Conhecemos Liu pela perspectiva de June Hayward, a narradora da história. June é uma jovem escritora marcada pelo fracasso, com uma estreia morna e sem repercussão no mercado editorial. Seu primeiro livro não teve nem 1% do retorno esperado; suas histórias são facilmente descartadas, e sua carreira parece estar em queda livre, com apenas uma obra publicada.


Em contraste, sua "amiga" Athena Liu já era um fenômeno antes mesmo de se formar na universidade. A sino-americana querida da indústria é considerada o prodígio da década, lançando seu livro de estreia com um orçamento de seis dígitos e emplacando bestsellers um após o outro. Após uma tragédia que envolve Liu, June vê a oportunidade de alavancar sua carreira, e é aí que sua sanidade começa a desmoronar.


Antes de falecer, Athena tinha um trabalho inacabado: um romance que prometia ser o ápice de sua carreira. Com a morte dela, June decide que não apenas pode, mas deve refazer o manuscrito e publicar a história de Athena como se fosse sua.


"A noite em que testemunhei a morte de Athena Liu foi a mesma em que comemoramos seu contrato de direitos audiovisuais com a Netflix."

O tema central de "Impostora: Yellowface" é o plágio e a apropriação cultural. A protagonista, June Hayward, é descrita como uma mulher branca e mediocre, com uma familia conturbada que não entende seus sonhos e que, por consequência, não consegue dar o apoio que ela tanto necessita. Com um enorme senso de autopiedade e autodepreciação, June começa a direcionar a culpa da sua falta de sucesso para tudo e todos, menos para si mesma.


"O mercado editorial escolhe um queridinho (alguém bonito o bastante, alguém descolado e jovem e, ah, qual é, vamos admitir que estamos todos pensando a mesma coisa, alguém “diverso” o suficiente) e então enche a pessoa de dinheiro e recursos."

June adota o nome de Juniper Song — intencionalmente querendo passar a impressão de ter descendência asiática, apesar de negar que seja intencional — após publicar, de forma controversa, um romance sobre a Primeira Guerra Mundial intitulado "O Último Front". A obra se concentra na história do Chinese Labour Corps, um grupo de trabalhadores chineses que foram contratados para atuar como mão de obra durante o conflito.


Logo de início, "O Último Front" é bem recebido e se torna um bestseller, o que leva muitos a questionarem se Juniper Song é realmente a pessoa certa para contar essa história, justamente por não ser asiática. Em resposta, ela defende a liberdade artística, argumentando que escritores devem ter o direito de explorar qualquer narrativa, desde que o façam um bom trabalho.


Por semanas, tudo parece correr como esperado. Juniper realiza um sonho: é autora bestseller, assina um contrato de adiantamento de cinco dígitos, e desfruta de um novo apartamento e uma nova vida sob os holofotes. No entanto, em uma de suas entrevistas ela pensa ter visto alguém, que não poderia estar ali.


June tem várias oportunidades de voltar atrás e corrigir seus erros, e ela mesma reconhece isso. No entanto, a ganância pela fama a faz seguir em frente, mergulhando cada vez mais fundo. Com o tempo, ela começa a sentir que tem uma necessidade de continuar escrevendo como se fosse a própria Athena Liu, a quem tanto invejava, e é aí que "Impostora: Yellowface" passa a realmente se destacar no gênero do thriller.




A complexidade de R.F Kuang e como a interpretação pode mudar a visão da narrativa de "Impostora: Yellowface"


Desde o início, June é uma personagem que provoca repulsa e aversão, mas, ao mesmo tempo, é uma narradora extremamente cativante. Estar imerso em sua mente e percepção é essencial para entender todos os sentimentos presentes na narrativa. Acompanhar seus altos e baixos, bem como sua constante necessidade de se comunicar e justificar suas ações ao leitor, transforma este livro em uma das abordagens mais inteligentes já vistas no gênero.


[...] trocamos um dos brancos malvados por um personagem chinês, e um dos trabalhadores chineses com mais falas por um fazendeiro branco que simpatiza com os imigrantes. Isso acrescenta a complexidade e a nuance humanista que talvez Athena não conseguisse enxergar por estar próxima demais do tema.

R.F. Kuang é conhecida por sua escrita sensível e, ao mesmo tempo, carregada de um peso histórico sensacional, decidida a abordar temas complexos em suas obras. Em "Impostora: Yellowface", a maneira como ela descreve a historia pela voz de uma personagem branca pode ser interpretada por alguns como uma forma de estereotipar pessoas fora das minorias raciais. No entanto, apesar de haver lacunas que podem levar a mal-entendidos, a interpretação mais evidente é a de uma crítica velada em cada palavra.


Kuang também destaca a pressão que a indústria exerce sobre aqueles que sonham com uma carreira artística, explorando como isso afeta a saúde mental. Embora June tenha sérios lapsos e seja extremamente problemática no contexto geral, ela também se mostra uma vítima em vários momentos da narrativa. Isso não justifica suas ações, mas ajuda a compreender sua linha de raciocínio.


De certa forma, Kuang não consegue penetrar na essência do racismo, mas seu ponto focal é a apropriação de identidades culturais alheias, algo que ela aborda de maneira brilhante. O termo "yellowface" é bastante auto explicativo e refere-se ao ato de se passar por uma pessoa de origem asiática, ressaltando a complexidade dessas questões identitárias.


O livro aborda diversos temas relevantes, explorando-os de forma mais eficaz do que muitas obras que tratam de assuntos semelhantes. No geral, é uma bela história que se une ao panteão de grandes sucessos da autora, perpetuando seu legado de escrita impecável. É justo afirmar que poucos escritores conseguiriam apresentar as ideias deste livro com a mesma maestria de Rebecca F. Kuang, talvez porque ela tenha usado experiências próprias como forma de inspiração para determinadas situações.



Sobre a autora: R. F Kuang e seus sucessos além de "Impostora: Yellowface"


Na imagem, vemos Rebecca Kuang sentada ao ar livre em um ambiente verdejante, cercada por plantas. Ela está vestindo uma camisa branca aberta e um boné azul com a letra "B" vermelha, possivelmente do time de beisebol Boston Red Sox. Kuang parece estar com uma expressão descontraída e divertida, segurando uma batata frita ou um biscoito na boca de maneira casual. O ambiente parece ser um café ou restaurante ao ar livre, com luz natural e uma atmosfera tranquila.

(Divulgação / Editora Intrínseca/ R. F. Kuang via Instagram)


R.F. Kuang nasceu em 29 de maio de 1996, em Guangzhou, China, e imigrou para os Estados Unidos com sua família aos quatro anos de idade. Ela cresceu em Dallas, Texas, e se formou na Greenhill School em 2013. Kuang graduou-se em História na Universidade de Georgetown. Durante um ano sabático na China, aos 19 anos, começou a escrever seu primeiro livro, "A Guerra da Papoula", que foi publicado pouco antes de completar 22 anos.


Ela também estudou no Magdalene College, Cambridge, e no University College, Oxford, onde obteve dois mestrados em Estudos Chineses. Atualmente, Kuang está cursando doutorado em Línguas e Literaturas do Leste Asiático na Universidade de Yale.


Livros publicados por R.F Kuang:


1. Trilogia - A Guerra da Papoula;


A Guerra da Papoula - (2022 no Brasil)

A Republica do Dragão - (2023 no Brasil)

A Deusa em Chamas - (2023 no Brasil)


2. Livros Únicos;


Babel: Ou a necessidade de violência (2024 no Brasil)

Impostora: Yellowface (2024 no Brasil)


3. Outros trabalhos:


"The Drowning Faith" (2020). Um spin-off de contos da série "A Guerra da Papoula". Ainda não foi lançado no Brasil.


"The Nine Curves River" na antologia The Book of Dragons (2020); editada por Jonathan Strahan. Não lançado no Brasil.


"Against All Odds" na antologia From a Certain Point of View: 40 stories celebrating 40 years of The Empire Strikes Back (2020) Não lançado no Brasil.


"Katabasis". Publicação prevista para agosto de 2025, ainda sem datas de lançamento para o Brasil.



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